Cury & Moure Simão Advogados
Por Fernanda Moure Simão C. Ribeiro
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento 141, alterando o Provimento 37/2014 para que passe a tratar do termo declaratório de reconhecimento e dissolução de união estável perante o registro civil de pessoas naturais e dispor, também, sobre a alteração de regime de bens na união estável e a sua conversão extrajudicial em casamento.
O Provimento foi editado visando a necessidade de facilitar aos companheiros os trâmites burocráticos em relação à união estável e ao casamento, bem como esclarecer os efeitos pessoais e patrimoniais deles decorrentes, além de facilitar o acesso da população às declarações firmadas perante o cartório de registro civil.
A seguir, será elencado, resumidamente, as principais alterações trazidas pelo novo Provimento.
1. Rol taxativo de títulos admitidos para registro ou averbação:
O Provimento confere aos registros de união estável efeitos jurídicos perante terceiros (art. 1º, §1º, Provimento 37/2014).
Contudo, para que se oportunize o registro, devem ser apresentados títulos elencados em rol taxativo; são eles (i) sentença declaratória de reconhecimento ou dissolução de união estável; (ii) escrituras públicas declaratórias de união estável ou de sua dissolução; e (iii) termos declaratórios de reconhecimento e de dissolução de união estável formalizados perante o oficial de registro civil de pessoas naturais (art. 1°, §3°, Provimento 37/2014).
Importante ressaltar que, para que seja possível o registro do termo declaratório de dissolução de união estável mencionado no item ‘iii’ supra, será necessário a assistência de advogado ou de defensor público (art. 1°, §3°, inc. IV, Provimento 37/2014).
2. Impossibilidade de registro de dissolução de união estável havendo nascituro ou filhos incapazes
A nova redação do art. 1°, §6°, do Provimento 37/2014, veda a possibilidade de dissolução de união estável caso os conviventes tenham nascituro ou filho(s) incapaz(es) em comum.
Isto se deve, pois o art. 698 do Código de Processo Civil determina que, nas ações de família (divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação), obrigatoriamente, haverá intervenção do Ministério Público para assegurar o interesse do incapaz.
3. Valores dos emolumentos
A nova redação do art. 1°-A, §6°, Provimento 37/2014, determinou que, enquanto não forem editadas legislações específicas no âmbito estadual, o valor dos emolumentos serão de 50% do valor previsto para habilitação de casamento, nos casos de termos declaratórios de reconhecimento ou de dissolução de união estável.
No caso da dissolução, havendo partilha de bens, o termo declaratório corresponderá ao valor dos emolumentos previstos para a escritura pública de dissolução de união estável.
Em se tratando de alteração de regime de bens, o art. 9º-A, §7º, Provimento 37/2014, determina que o valor dos emolumentos corresponderá ao valor previsto para o procedimento de habilitação de casamento.
4. Registro de uniões celebradas no exterior
Tratando-se do registro de sentenças estrangeiras de reconhecimento de união estável, termos extrajudiciais, instrumentos particulares, escrituras públicas declaratórias de união estável ou de distratos lavrados no exterior, poderá haver registro no Brasil, desde que um dos companheiros seja brasileiro.
Importante enfatizar que essa possibilidade está condicionada às uniões estáveis regidas pela legislação brasileira ou se houver sentença de juízo brasileiro reconhecendo a equivalência do instituto estrangeiro (art. 2º, §1º, Provimento 37/2014).
No mais, para que se autorize referidos registros, o §3º do art. 2º, Provimento 37/2014, determina que os títulos estrangeiros devem estar acompanhados de tradução juramentada e, referente aos documentos públicos, serão exigidos o apostilamento ou sua legalização.
Não sendo possível o registro do título de união estável firmado em território estrangeiro, o §2º do art. 2º, Provimento 37/2014, autoriza que os conviventes poderão registrar título brasileiro de declaração de reconhecimento de união estável, podendo, ainda, informar ao tabelião o histórico jurídico do convívio more uxorio, ou seja, o convívio que caracteriza as condições do regime de união estável, estabelecido expressamente pelo art. 1.723 do Código Civil, “[…] convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família [animus familiae]”.
5. Alteração de regime de bens na união estável
Outra inovação trazida pelo Provimento 141 é a possibilidade de alteração do regime de bens diretamente perante o registro de pessoas naturais, inclusive, podendo ser realizada por procurador, mediante instrumento público. Contudo, o requerimento deve ser feito por ambos os companheiros (art. 9º-A, caput, Provimento 37/2014).
Para o procedimento de alteração de regime de bens, o oficial exigirá a apresentação dos seguintes documentos (art. 9º-B, caput, Provimento 37/2014): (i) certidão do distribuidor cível e execução fiscal do local de residência dos últimos 5 anos; (ii) certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos 5 anos; (iii) certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos 5 anos; (iv) certidão de interdições perante o 1º ofício de registro civil das pessoas naturais do local de residência dos interessando dos últimos 5 anos; e (v) a depender do caso, proposta de partilha de bens ou declaração de inexistência de bens a partilhar.
Diante desta possibilidade de alteração, é importante que se faça um parênteses para recordar aspectos importantes relativos à comunicação de bens na união estável.
No Brasil, de acordo com o art. 1.725, do Código Civil, sendo estabelecida a união estável entre duas pessoas – seja esta formal (mediante celebração de um instrumento) ou informal (não existindo instrumento comprobatório, mas havendo a presença dos requisitos caracterizadores do convívio more uxorio) – e não sendo estipulado regime de bens entre os companheiros (por contrato escrito), o regime de bens que regerá a relação será o da comunhão parcial.
Assim, todo o patrimônio adquirido pelas partes desde a constituição da união será comunicável a ambos. Desta forma, ocorrendo dissolução desta união estável, este patrimônio comunicável será partilhado igualmente entre os conviventes.
Ao proceder com a alteração do regime de bens na união estável, há cenário bastante delicado quando as partes desejam alterar o regime (seja inicialmente comunhão universal ou parcial de bens) para separação total de bens.
Isto se dá, pois, havendo terceiro de boa-fé credor de um desses companheiros que a dívida fora contraída no período de união estável, a referida dívida seria então arcada pelos bens comunicáveis ao devedor, respeitada a meação dos bens comunicáveis. Ainda, caso a dívida tenha sido contraída em nome de apenas um dos cônjuges, mas em favor de ambos, o credor poderá perseguir a integralidade dos bens comunicáveis.
Assim, ao proceder com a alteração do regime, o ordenamento jurídico não pode permitir que terceiro de boa-fé seja prejudicado.
Portanto, a redação do Provimento 141/2023, ao facilitar a alteração do regime de bens, também se ateve à problemática que permeia esta mudança.
Desta forma, referido Provimento estipulou que, ao averbar a alteração de regime de bens, o oficial consignará, expressamente, o seguinte “a alteração do regime de bens não prejudicará terceiros de boa-fé, inclusive credores dos companheiros cujos créditos já existiam antes da alteração do regime” (art. 9º-A, §1º, Provimento 37/2014).
Ademais, ainda se tratando da alteração do regime (inicialmente) de comunhão universal ou parcial de bens para separação total de bens, para que se proceda a alteração, os bens que se comunicarem deverão ser objeto de plano de partilha que poderá ser executado quando e caso houver, de fato, a dissolução da união estável.
A alteração do regime de bens tem efeito ex nunc, ou seja, só produzirá efeitos a partir da respectiva alteração, não retroagindo seus efeitos (art. 9º-A, §4º, Provimento 37/2014), ressalvado o recente entendimento da 4ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.671.422 que entendeu ser possível aplicação de eficácia ex tunc, isto é, com efeitos retroativos.
No mais, havendo certidão positiva de interdições dos últimos 5 anos de qualquer das partes, a alteração de regime de bens deverá ser processada judicialmente (art. 9º-A, §2º, Provimento 37/2014).
Não menos importante, havendo proposta de partilha de bens ou havendo alguma certidão positiva referente à (i) certidão do distribuidor cível e execução fiscal do local de residência dos últimos 5 anos; (ii) certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos 5 anos; (iii) certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos 5 anos, as partes deverão estar assistidos de advogado ou defensor público (art. 9º-A, §3º, Provimento 37/2014).
6. Conversão da união estável em casamento
A conversão da união estável extrajudicial obedecerá os mesmos preceitos legais do casamento, estipulados nos artigos 1.639 a 1.641, do Código Civil, inclusive em relação à necessidade de celebração de pacto antenupcial para eleição de regime de bens diverso do regime da comunhão parcial de bens (art. 9º-D, caput, Provimento 37/2014).
A conversão deverá seguir o mesmo regime de bens estipulado na união estável, salvo, conforme exposto acima, a formalização de pacto antenupcial (art. 9º-D, §§ 1º e 5º, Provimento 37/2014).
O Provimento excetua a regra do regime da separação legal de bens da pessoa maior de 70 anos (art. 1.641, II, Código Civil). Assim, caso inexistisse a obrigação da separação legal de bens na data de início da união estável, referido regime de bens não deverá ser aplicado ao proceder a conversão para o casamento (art. 9º-D, §3º, Provimento 37/2014).
No mesmo sentido, também não será imposto aos nubentes o regime de separação legal de bens caso as condições suspensivas do casamento (vide art. 1.523, Código Civil) estiverem superadas na data da conversão (art. 9º-D, § 4º, Provimento 37/2014).
O art. 9º-E do Provimento 37/2014 esclarece que a conversão extrajudicial da união estável em casamento é faculdade das partes, podendo estas requererem a conversão pela via judicial.
No mais, ocorrendo o falecimento de uma das partes ao longo do processo de habilitação, não será impedida a conversão da união estável em casamento, desde que o pedido esteja em termos, ou seja, não havendo pendências não essenciais, entendidas como aquelas que comprovam a firmeza da vontade dos companheiros em relação a referida conversão (art. 9º-G, caput e parágrafo único, Provimento 37/2014).
Conclusão
Por fim, diante da análise das alterações trazidas pelo Provimento 141, nota-se uma desburocratização dos trâmites envolvendo reconhecimento e dissolução de união estável, reconhecimento de títulos estrangeiros, alteração no regime de bens e conversão da união estável em casamento.
Contudo, apesar das facilidades trazidas para que se procedam tais atos extrajudicialmente e/ou por procedimentos facilitados, não se exclui a recomendação dos companheiros ou nubentes para sempre procurarem ajuda especializada que os orientará sobre as melhores práticas e modos de delimitarem sua união.
Companheiros e cônjuges esclarecidos e bem assessorados evitam, por muitas vezes, demandas e atritos desnecessários que podem surgir na vida a dois.