LEI 14.020/2020- DAS NOVAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

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Com a crise desencadeada pelo Covid-19 o Governo Federal editou a MP n.º 936, de 1º de abril de 2.020 que, posteriormente, o legislativo através do Projeto de Lei de Conversão 15 de 2020, teve sua aprovação no Congresso e no Senado, convertendo-se na Lei nº 14.020/2020, sofrendo, no entanto, alguns vetos da Presidência da República. 

Referida lei aborda matérias antes tratadas na MP 936/2020 e surge com o intuito de dar condições para manutenção dos empregos e possibilitar que as empresas permaneçam ativas, no curso da pandemia do coronavírus.

Neste artigo vamos abordar os principais pontos da nova lei federal, dividindo a exposição em 15 (quinze) temas principais, sendo certo que abaixo de cada tema, vamos comentar, de forma sintética, as novidades legais:

1. A MP 936/2020 previa a redução de jornada de trabalho e salário por até 90 dias (nas proporções de 25%, 50% e 70%) e a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias, com pagamento de benefício emergencial ao empregado, compensando em parte a perda decorrente destas modalidades de acordos para preservar os empregos. Com a aprovação da Lei nº 14.020/2020 tais medidas foram mantidas e podem ser combinadas, desde que não ultrapasse o prazo máximo de 90 (noventa) dias.

Nossa opinião: Neste caso a lei apenas repetiu o que já estava previsto na medida provisória 936/2020, validando assim, os acordos realizados com base nestas hipóteses, trazendo segurança jurídica para as partes que realizaram acordos baseados na aludida medida provisória.

2. Ainda em relação a suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada – uma novidade trazida pela nova lei federal – foi a possibilidade das empresas reduzirem a jornada de trabalho e de salário e/ou suspender os contratos de trabalho somente por determinado setor, departamento ou de forma total ou parcial em seu estabelecimento. 

Nossa opinião: Esta modificação foi importante e veio para disciplinar estas possibilidades, permitindo ao empregador melhor manejar os contratos de trabalho de seu pessoal, pois nem sempre é possível a suspensão ou redução de pessoal de todo um setor, podendo optar pelo escalonamento e readequação das atividades, mantendo assim o quadro de contratados estável.

3. No corpo da nova lei também foi prevista a possibilidade do governo federal prorrogar os prazos de suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada e salários, através de simples ato do executivo.

Nossa opinião: Isto foi um ponto importante, na medida que para conceder a prorrogação dos benefícios, bastará ao governo a edição de um decreto, sem a necessidade de se elaborar nova medida provisória, o que traria insegurança jurídica até nova conversão em lei.

4. Foi mantida a estabilidade dos empregados com contratos suspensos ou com redução de jornada e salário durante o período em que estejam recebendo o BEM (Benefício Emergencial) assegurada a garantia provisória do emprego nos seguintes termos: (i) durante o período da redução e suspensão; (ii) após o encerramento da suspensão e redução salarial e de jornada pelo período equivalente ao acordado para a redução/suspensão.

Nossa opinião: A lei apenas reproduziu a regra que já existia anteriormente, sendo certo que as empresas que aderiram ao BEM já estavam contando com este período de garantia provisória no emprego. A lei buscou exigir uma contrapartida dos empresários, para uso do Benefício Emergencial, em favor dos empregados.

5. Houve pequena alteração, nas condições que permitem as partes realizar os acordos de forma individual, ficando validados os acordos individuais para as seguintes hipóteses, de empregados que recebam:

  • Salário igual ou inferior a R$ 2.090,00 (dois mil e noventa reais), na hipótese de o empregador ter auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais);
  • Salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil, cento e trinta e cinco reais), na hipótese de o empregador ter auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais); ou

  • Portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Ou seja, para as empresas que auferiram, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00, poderão ser celebrados acordos individuais de empregados com salários iguais ou inferiores a R$ 2.090,00.

Para as empresas que auferiram, no ano-calendário de 2019, receita bruta igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 poderão ser celebrados acordos individuais para empregados que recebam até R$ 3.135,00.

Os empregados que não se enquadrarem nestas hipóteses, dependerão de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para a implementação das condições previstas na lei (suspensão do contrato de trabalho ou redução de jornada e salários).

Como exceção, ficou admitida a pactuação por acordo individual escrito, somente nas hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de 25% (vinte e cinco por cento) ou quando a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário não reduza o salário pago em razão das horas de trabalho e no caso da suspensão temporária do contrato de trabalho, desde que o acordo não reduza o valor mensal recebido pelo empregado (Beneficio emergencial + ajuda compensatória mensal).

Nossa opinião: Esta alteração, por melhor que tenham sido as intenções, pode causar insegurança jurídica para aquelas empresas que tiveram receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 e, celebraram acordos individuais com empregados que recebiam até R$ 3.135,00, obrigando-as a adequar estes contratos a negociação coletiva. Estas empresas terão que verificar quais empregados receberam valores entre R$ 2.090,00 e R$ 3.135,00 para esta adequação.  

Embora o artigo 24 da lei federal tenha previsto que: “Art. 24. Os acordos de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho celebrados entre empregadores e empregados, em negociação coletiva ou individual, com base na Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, regem-se pelas disposições da referida Medida Provisória”, teremos várias situações em que os acordos foram celebrados antes da lei, na vigência da Medida Provisória 936/2020, com prorrogações em curso durante a vigência da lei nova, o que pode gerar dúvidas acerca da aplicabilidade desta nova regra no tempo.

O ideal seria a manutenção do texto original da medida provisória 936/2020.

6. Outra questão importante, trazida no corpo da nova lei federal foi a legalização dos contratos através do meio eletrônico. Tendo em conta o cenário de digitalização, inaugurado mais fortemente com a Lei da Liberdade Econômica, e na forma do Decreto 10.278, somado ao isolamento social, o art. 12, § 3º da Lei 14020/2020, expressamente prevê que os acordos individuais escritos poderão ser realizados por quaisquer meios físicos ou eletrônicos eficazes. Ou seja, desde que os acordos sejam escritos, terão validade no meio eletrônico ou físico.

Nossa opinião: Esta modificação trouxe segurança jurídica para uma realidade que se mostra presente, que é a celebração de contratos pelo meio digital. Portanto, a disposição é bem vinda.

7.Conflito de conteúdo entre normas coletivas e acordos individuais – Neste aspecto o art. 12, §5º, da Lei nº 14.020/2020, expressamente prevê que o acordo individual produz seus efeitos até que sobrevenha norma coletiva, passando a partir de então a se observar o teor do acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, salvo se o acordo individual for mais benéfico, quando este prevalecerá.

Ficou ainda estabelecido na nova lei, que as partes poderão ajustar os acordos coletivos já firmados anteriormente, aos termos da lei, no prazo de 10 dias corridos.

Nossa opinião: Em nosso entendimento esta previsão apenas corrobora o que já estava consagrado nos princípios do direito do trabalho, acerca da aplicação da norma mais favorável em favor da parte hipossuficiente, não significando novidade sobre tema já conhecido. Quanto ao prazo para renegociação, este é pequeno para o ajuste, mas não serão muitas as situações em que isto será necessário. E uma negociação coletiva, pode durar um tempo maior para ser concluída.

 8. Opção do cancelamento do aviso prévio – A nova lei previu a possibilidade de empregador e empregado, em comum acordo, optar pelo cancelamento de aviso prévio em curso, conforme previsto no seu artigo 23. 

Nossa opinião: Esta previsão busca a manutenção do emprego, podendo ser útil na hipótese do empregado ser demitido pela impossibilidade do empregador em prorrogar os benefícios do BEM e o governo vir a aumentar os períodos de suspensão ou redução de jornada e salários, possibilitando aquele empregador manter o empregado por mais um período de tempo.

9. Repactuação de operações bancárias – Este dispositivo permite a repactuação das operações de empréstimos, financiamentos, cartões e arrendamento mercantil que tenha desconto em folha ou na remuneração durante a vigência do estado de calamidade pública, visando a sobrevivência e dignidade do trabalhador. Em caso de repactuação, fica garantido o direito à redução das prestações na mesma proporção da redução salarial, com carência de até 90 (noventa) dias, ficando ainda mantidas as condições financeiras de juros e encargos, podendo ser diminuídas se a instituição assim entender e os empregados que forem dispensados até 31/12/2020 terão direito a novação de tais operações.

Nossa opinião: Esta disposição legal visa propiciar condições ao empregado que, perdendo o posto de trabalho, permanece com a dívida financeira, cujo pagamento estava condicionado ao salário recebido. Embora não resolva o problema em si, pelo menos mitiga seus efeitos, permitindo ao trabalhador buscar uma recolocação e efetuar o pagamento em um prazo mais elástico.

10. Contribuição do segurado – O artigo 7º, § 2º Lei nº 14.020/2020 permite a complementação dos valores de recolhimento pelo segurado do INSS durante o período de redução da jornada de trabalho e de salário ou mesmo o recolhimento como segurado facultativo nos casos de suspensão de contrato de trabalho.

Nossa opinião: Abriu-se a possibilidade ao empregado contribuir a previdência social, objetivando que este período de suspensão ou redução de jornada e salário conte de forma integral para efeito de cálculo do tempo de contribuição para fins de sua futura aposentadoria. Embora, sob o aspecto prático será de difícil utilização, na medida que estes empregados já estão com redução ou perda de parte de seus ganhos, e desembolsar uma nova importância para fins de aposentadoria futura, a ser usufruída em data incerta, pode ser um impeditivo a sua efetiva utilização.

11. Gestante – O art. 22 da nova lei federal prevê a possibilidade da empregada gestante, inclusive a doméstica, participar do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Na forma dos parágrafos seguintes, se ocorrido o evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade, o empregador deverá comunicar ao Ministério da Economia e a empregada ingressará em auxílio maternidade, pago com base no salário de contribuição, considerado para tanto o valor relativo ao período anterior à redução de jornada e salário e/ou suspensão de contrato, valendo a mesma regra, na forma do art. 22, para a adoção de criança.

12. Garantia de emprego gestante – A garantia de emprego prevista na lei, relativa ao período de aplicação das medidas de redução de jornada e salário e/ou suspensão de contratos, deve ser computada para a gestante, na forma do art. 10, inciso III, a partir do término da garantia legal de emprego já existente nesta condição, ou seja, 5 meses após o parto, consoante alínea b do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Nossa opinião: Estas regras (itens 11 e 12) devem ser observadas com todo cuidado por aqueles empregadores que possuem colaboradoras em estado gravídico, pois a estabilidade do BEM terá início após transcorridos 5 meses da data do parto. No caso, se verifica que o legislador buscou a proteção da maternidade e do nascituro, como previsto nos princípios que norteiam o direito do trabalho.

13. Aposentados – A regra veda a percepção do BEM (Benefício Emergencial) pelos aposentados, pois, em tese, os aposentados não pode cumular dois benefícios ( aposentadoria + benefício emergencial). Conforme preceitua o art. 12, § 2º, a redução de jornada e salários e/ou suspensão de contratos só será admitida para empregados em gozo de aposentadoria quando, além do enquadramento em alguma das hipóteses de autorização do acordo individual de trabalho, o empregador pagar ajuda compensatória mensal, equivalente no mínimo ao benefício que o empregado receberia se não houvesse a vedação ao percebimento, considerando o seguro desemprego como base de cálculo. Caso a empresa tenha tido faturamento superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em 2019, a ajuda compensatória mensal deverá ser no mínimo igual aos 30% (trinta por cento) que o empregador já deveria arcar, somado ao valor da ajuda compensatória equivalente ao seguro desemprego que caberia não fosse a vedação.

Nossa opinião: Esta regra permite que se regularize a situação de muitos empregados que estão aposentados e continuam na ativa, propiciando ao empregador dar tratamento isonômico a estes colaboradores, desde que pague o valor correspondente ao que receberia um empregado com contrato suspenso ou com jornada reduzida. Ou seja, possibilita a manutenção do posto de trabalho do aposentado com o pagamento de parcela indenizatória, que poderá ser absorvida mais facilmente pelo empregador, pois sobre ela não incidem tributos. 

14. Vedação da dispensa de pessoa com deficiência – Como norma de proteção, o art. 17, inciso V, expressamente veda a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência

Nossa opinião: Antes da edição da MP 936/2020, as dispensas, nestas hipóteses, já poderiam ser objeto de discussões judiciais, especialmente quando implicasse em descumprimento de cota. Tal disposição, se fundamenta em uma obrigação para o empregador em prol do social e, neste momento, o legislador buscou proteger aqueles mais vulneráveis, portanto, acertada a disposição.

15. Opção pelo melhor benefício – Como previsto anteriormente na MP 936/2020, é vedada a cumulação do BEM (Benefício Emergencial para Manutenção do Emprego e da Renda) com auxílio emergencial. Disciplina, no entanto, o art. 18, § 5º da lei federal, a garantia do direito ao melhor benefício.

Nossa opinião: A aplicação da norma mais favorável ao trabalhador é princípio basilar do direito do trabalho, tendo a lei nova apenas reconhecido de forma expressa, a obrigação estatal de reconhecer a melhor hipótese a ser adotada em favor do beneficiário.

Conclusão:

A lei 14.020/2020 referendou a maior parte das normas contidas na Medida Provisória 936/2020, e ainda regulamentou algumas questões que geravam dúvidas, como por exemplo, a aplicação dos acordos apenas a setores ou departamentos das empresas e celebração do acordo escrito por meio digital. 

Como toda legislação criada em condições excepcionais, poderá sofrer questionamentos futuros, quando as condições que a justificaram, deixarem de existir, lembrando que uma parte das hipóteses previstas tanto na antiga medida provisória 936/2020 e agora na lei 14.020/2020 conflitam com princípios do Direito do Trabalho.

Portanto, como medida de contenção de risco, sempre que possível, deve se dar preferência aos acordos celebrados na modalidade coletiva, que possuem valor jurídico maior que os celebrados individualmente, sendo certo que deliberações em normas coletivas, ainda que questionáveis sob a ótica da legislação vigente, terão mais “força jurídica” argumentativa do que decisões tomadas unilateralmente pelos empregadores.

Por Cury e Moure Simão Advogados
Wanderley de Oliveira Tedeschi

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