Por Cury e Moure Simão Advogados
Sylvio Guerra Júnior
A recente pandemia de coronavírus (Covid-19) trouxe enorme recessão econômica causada pelo fechamento de determinados tipos de comércio, notadamente aqueles considerados não essenciais pelas autoridades governantes, bem como pelo isolamento social, necessário para conter a propagação da doença.
Neste cenário caótico, muitas pessoas se viram sem renda da noite para o dia, seja pela perda do emprego, seja pela suspensão, ainda que temporária, da sua atividade econômica.
Já se pode antever, portanto, reflexos diretos e imediatos em alguns aspectos da economia, dentre os quais nos propomos a abordar a questão das locações de imóveis.
O pagamento do aluguel consome parcela significativa da renda de uma família ou do faturamento de uma empresa. Desta forma, em tempos de crise econômica, é natural que esta seja uma das primeiras despesas a serem inadimplidas.
A consequência natural da inadimplência é a propositura de ações de despejo e execuções por falta de pagamento.
Com o intuito de prestigiar a manutenção das relações jurídicas de Direito Privado e evitar a judicialização excessiva de medidas objetivando a revisão ou a liberação das obrigações assumidas (contratos de locação), buscou-se uma solução intermediária, para dar conforto jurídico aos contratantes e minimizar os impactos sociais e econômicos da pandemia.
Esta “solução” veio a lume através do Projeto de Lei nº 1.179/2020 do senador Antonio Anastasia.
Originalmente o projeto de lei tinha em seu bojo duas previsões bastante marcantes para as relações locatícias.
A primeira delas dizia respeito à previsão de suspensão total ou parcial do pagamento dos aluguéis residenciais – entre 20 de março de 30 de outubro – em caso de demissão, redução de carga horária ou redução de salário do locatário. Ditos valores deveriam ser pagos parceladamente, após o surto pandêmico.
De tão polêmica esta questão, visto que não é raro ver situações onde o aluguel é a única ou principal renda de um locador, ela foi suprimida do projeto pelo próprio senador Anastasia.
O outro aspecto abordado no projeto consiste na proibição de concessão de liminar de despejo nas ações ajuizadas entre 20 de março e 31 de dezembro. Esta é a proposta que vingou, com algumas alterações de redação, notadamente com relação à data de aplicação desta restrição.
Eis a redação aprovada pelo Senado, no artigo 9º do Projeto de Lei:
Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, §1º, I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020.
Vejamos, portanto, caso a caso em que não se concederá liminar em ação de despejo.
Inciso I – aqui estamos diante da hipótese em que locador e locatário ajustaram por escrito colocar fim ao contrato de locação, com prazo mínimo de seis meses para a desocupação, mas uma das partes, possivelmente o locatário, não desocupa o imóvel;
Inciso II – esta é a situação em que locação do imóvel residencial se dá em virtude de um contrato de trabalho e, extinto o contrato de trabalho, o locatário não desocupa o imóvel;
Inciso V – este é o caso em que o imóvel está sublocado e, finda a locação, o sublocatário não desocupa o imóvel;
Inciso VII – esta é a situação em que a locação fica desprovida de garantias, seja pela morte do fiador, seja pela exoneração, ou por qualquer outra situação elencada no artigo 40 da Lei de Locações, e o locatário, mesmo após intimado a apresentar nova garantia no prazo de 30 dias, permanece inerte;
Inciso VIII – aqui estamos diante da hipótese clássica de término do contrato;
Inciso IX – esta última situação diz respeito à falta de pagamento de aluguel e acessório no vencimento e o contrato é desprovido de qualquer garantia.
Em todas estas hipóteses acima citadas, caberia, ordinariamente e nos termos da lei 8.245/91, a concessão de liminar em ação de despejo. Todavia, diante das situações ora vivenciadas, e que são absolutamente extraordinárias, acaso aprovado o projeto de lei supra mencionado, não se concederá liminar nestas hipóteses, nas ações de despejo ajuizadas entre 20 de março e 30 de outubro de 2020.
Por fim, vale registrar que o projeto de lei foi aprovado pelo Senado no dia 03 de abril e, no mesmo dia, remetido à Câmara dos Deputados onde será igualmente analisado e votado, podendo sofrer alterações.